CRISE DE AUDIÊNCIA PT2
A NewsLeifert sobre audiência bombou de acordo com minhas métricas pessoais
Fui atacado pelo Capitú Army!
Os Machaders e os Casmurrers também se uniram contra esse newsleteiro e me condenaram ao silêncio, eu não posso mais dar opinião. Só posso voltar a falar sobre meu gosto pessoal para livros depois que me tornar mais maduro intelectualmente, afinal ao dizer que não curto os livros do ENEM eu provei a todos minha total limitação.
Entendi que sou obrigado a gostar do que eles gostam lá na rede do passarinho.
Tranquilo. Quero paz.
Então a partir de hoje passei a amar os livros do ENEM. Não perderemos caracteres com isso, uma vez que esta não é uma newsletter sobre literatura ou educação. Se fosse, eu poderia dizer que somos o quinquagésimo sétimo (57º!) país no ranking de leitura do PISA. But, hey: estamos à frente dos argentinos neste ranking que, aliás, só tem 77 posições. Deixa pra lá. Afinal os livros do milênio passado provavelmente não têm nada a ver com isso, correlação não é causalidade. Eu poderia escrever que no ranking de matemática do PISA estamos em 70 e pouco. Mas não vou fazer nada disso.
E vocês, tudo bem?
Nesta semana também não vou falar de um assunto novo, uma vez que nossas últimas conversas renderam muitos emails e muitas coisas aconteceram no mundo. Gostaria de continuar um pouco mais no tema audiência. Até agora, a NewsLeifert mais lida de acordo com o próprio Substack, mas eu sei lá.
Enfim.
Recebi um longo email de um leitor chamado Thalysson. Em resumo, ele diz o seguinte: ok, laifinho, a métrica de views do YouTube é esquisita. Mas... como resolve? Ele questionou o seguinte: se duas pessoas assistirem à metade de um vídeo, como o YouTube deveria computar isso? Um view?
Acho que, no fundo, ele e muitas pessoas que escreveram estavam se questionando sobre a complexidade da experiência humana do consumo de conteúdo. E não só nas redes sociais. Vamos colocar aí o Netflix e outros streamers.
Tem gente que assiste à metade do vídeo. E outra metade 3 dias depois.
Tem gente que assiste picadinho.
Tem gente (crianças principalmente) que assiste ao mesmo vídeo 700x.
Tem gente que assiste só um trecho 700x.
Tem gente que abre um tutorial de 15min e assiste só ao trechinho que precisa do tutorial.
Eu demorei uma semana para terminar Zack Snyder’s Justice League.
Minha esposa sempre dorme no meio do capítulo, aí eu assisto inteiro e ela vê de novo dia seguinte. É extremamente frustrante, aliás, quando a pessoa dorme no meio.
Como computar tudo isso num número que seja o mais preciso possível?
Ora, eu volto para o básico.
Ao assistir qualquer coisa num serviço de streaming, você e eu estamos sempre logados. Então eles sabem EXATAMENTE o que nós consumimos e quando. Se eu assisti picadinho ou em duas partes, eles sabem. Não é tão complicado chegar a uma métrica que todo mundo concorde e que reflita melhor quem assistiu ao conteúdo inteiro.
Nas redes sociais, idem. Estamos logados. Então eles já sabem quem viu e quem não viu.
No YouTube seria mais complexo, porque é possível assistir a um vídeo sem logar na plataforma. Mesmo assim, acredito que eles são ultra inteligentes e capazes de chegar a uma métrica confiável. Conseguem separar os logados dos não-logados. Conseguem, mesmo sem log-in, saber se a pessoa viu o vídeo inteiro ou um trechinho. Pode soar complexo, mas não é. O algoritmo levanta mais peso que isso, pode ter certeza.
Uma pessoa que eu gosto muito e trabalha num lugar importante me mandou mensagem dizendo que a regra de como medem o “view” do YouTube não é divulgada porque se todo mundo souber como mede, fica fácil de burlar o sistema.
Discordo.
Tentativas de burlar o sistema de mensuração já acontecem, e tem gente que consegue, que coloca robô, que inflaciona números com métodos moralmente errados. Também confio na inteligência dos engenheiros da plataforma, que vão conseguir limpar os números e identificar os robôs. Isso é problema deles, e não dos profissionais de marketing que dependem de números melhores e acabam “punidos” com uma métrica pior.
Volto ao básico: por que nós mortais não temos acesso às regras de medição?
E digo outra: quanto mais transparência na medição, melhor para o criador de conteúdo. Se você é expert em tutoriais e descobre que as pessoas só assistem a um trecho do seu tutorial, você começa a fazer vídeos menores.
E insisto no meu ponto da última NL: se o view do Youtube, por exemplo, é uma caixa preta... por que é exatamente esse view que vai para a vitrine? Por que a métrica mais duvidosa é aquela que fica publicamente disponível, sendo que nem sabemos como ela é feita?
Full disclosure: eu amo o YouTube, tá? Amo Twitch, TikTok, Netflix, Disney+, Amazon Prime, HBO Max, GloboPlay. Todos. Passo horas ali com eles. Eu só questiono mesmo as métricas.
Nessa semana tivemos uma confirmação importante.
Dona Netflix, que quase nunca divulga dados de audiência, está com vontade de flexibilizar. Vão começar a falar mais. Eles decidiram seguir a métrica que a Nielsen (seria o Ibope dos EUA) usa: quantidade de horas assistidas! Bem simples. Básico do básico.
A Nielsen é uma empresa sem vínculo com streamers ou canais de TV, então funciona como o Ibope. Eles se viraram lá nos EUA para arrumar um jeito de medir streaming, já que os streamers raramente falam.
“Quantidade de horas assistidas” tem problemas? Tem, claro. As minúcias não sabemos, pode ser que eles somem minutos e aí tem o Problema de Thalysson: se 4 pessoas assistem aos primeiros 15min, vale como 1 hora vista? Não, mas irá contar como 1 hora. Fora isso, não reflete quantas PESSOAS assistiram, já que uma hora de conteúdo pode ter sido vista pela família toda, juntinha, ou por apenas uma pessoa da família.
Mesmo assim, quantidade de horas é bem melhor que o método antigo da Netflix. Que era... wait for it... 2 minutos.
Juro.
2 minutos vistos e eles contabilizavam como 1 view.
A empresa também vai contratar uma auditoria, a Ernst & Young, para revisar as métricas. O relatório será publicado ano que vem.
Essa mudança pode transformar o jogo? Pode. Se a Netflix resolve falar de audiência, a coisa toda fica mais interessante. Por que eles? E por que agora?
Aha! Aqui fica bom.
Vamos falar especificamente de Netflix, o maior de todos. Uma empresa que tem ações na bolsa e hoje vale 300 bilhões de dólares. O equivalente a 5 Petrobrás. (caraca qual é o plural de Petrobrás?)
Toda empresa de capital aberto precisa contar uma história. O preço da ação, como conversamos em outra NL, depende dos fundamentos... mas também tem uma historinha por trás. Elon Musk, da Tesla, sempre foi bom nisso. Steve Jobs era o mestre, ele pessoalmente apresentava os novos produtos e já contava uma história sobre a visão da empresa.
A Rivian, uma empresa de carros elétricos, não dá lucro, tá queimando dinheiro, mas já fez IPO e bombou. A história que estão contando é boa: pode ser a nova Tesla, então não fique de fora.
Qual era história da Netflix? Quantidade de assinantes.
O mercado e a imprensa olhavam esse número para determinar se a Netflix merecia subir ou descer no preço das ações. E foi tudo maravilhosamente bem nos últimos anos, números crescendo. Cada país a mais no portfólio, mais cara a ação. Vem a pandemia, mais gente ainda assina Netflix. Bum!
Mas essa história tem um problema: ela acaba. O número de assinantes tem um teto, uma hora você bate nele. Não dá para crescer para sempre.
Quando você bate no seu teto, vai ter trimestre que você vai PERDER assinantes. Depois crescer um pouco. O número vai oscilar para lá e para cá. Ou seja: fim dessa história. Ela só era boa quando crescia todo ano. Precisa de uma nova. Não dá mais para o preço da ação depender disso.
Senão a manchete vai ser “Netflix frustra investidores e perde 26 assinantes no trimestre”
Como tirar o foco do mercado e da imprensa desse número de assinantes?
Bom... uma vez que você já tem uma base de assinantes bem consolidada, oscilando um pouquinho para mais ou menos, você pode falar de relevância.
“eu sou líder de mercado e meus conteúdos são os mais influentes e assistidos do mundo”
Sai o foco no número de assinantes, e transforma em CONSUMO.
Mesmo se você perder assinantes no trimestre, se você exibir um hit tipo Round 6, dane-se! Foram 11B de horas consumidas. Tá certíssimo o Netflix, a jogada está correta.
“Já temos as pessoas, agora vamos mostrar o quanto somos importantes para essas pessoas”
Esquece se aumentou 10M ou diminuiu 10M: foca no quanto essas pessoas assistiram. Aí você vai lá e só divulga as porradas, entendeu? Bridgerton, Round 6, The Witcher. E isso ainda vira mídia espontânea para essas séries. Baita jogada.
Esquece a quantidade de gente: foca na quantidade de horas que elas consomem.
Tiago e se a gente aplicasse a métrica de horas assistidas para... tudo?
Hmmmmm... a CBS brincou disso há duas semanas, para provocar os streamers.
Vamos brincar também. BBB21 foi visto, segundo o ibope e a Globo, por 40M de pessoas por dia. Nós exibimos pelo menos 1h de conteúdo por dia. Às vezes mais, mas vamos parar em uma hora, mais conservador. Vamos dar um desconto aí, vamos dizer que 25% das pessoas não viram o programa todo. Então 30M viram tudinho. São 30M de horas consumidas por dia apenas na TV aberta.
Ao fim da temporada, foram 3 bilhões de horas consumidas apenas na TV Aberta. E estamos falando só de Brasil. É coisa PARA CARAMBA, tá?
E se você quiser ser ainda mais cruel e dizer que só metade daquelas 40M de pessoas realmente viram tudo, ainda assim são 2B de horas consumidas.
Tô dizendo isso não para elogiar um produto espetacular no qual eu orgulhosamente trabalhei. Quero chamar a atenção para o fato de que é possível e necessário uma métrica unificada, que coloque em condição de igualdade TV aberta, cabo e streamers. E talvez redes sociais. Eu gostaria de poder comparar BBB e The Circle, Arcane e Falcon and the Winter Soldier, um influenciador do YouTube vs um influenciador do TikTok.
É muito, muito fácil esnobar rádio e TV, falar que estão decadentes ou fora de moda. É moleza olhar para a mídia velhinha e dar risada. Eu até topo, desde que a métrica e a regra sejam as mesmas para todo mundo.
MANCHETES DA SEMANA 1
Recebi no Whatsapp uma notícia assim: programa vespertino de domingo despenca na audiência e marca menos que novela noturna diária de canal concorrente.
Quase caio da cadeira, né bicho. Comparar um programa vespertino de domingo, exibido 1x por semana, contra a audiência de uma novela noturna diária de um canal concorrente? Mas assim, que notícia é essa? Qual o nexo dessa comparação?
Sugiro essa análise aqui:
“programa vespertino de domingo bomba e marca 12x mais audiência que religioso da madrugada”
E cá entre nós: domingo de sol, tá? Mas não conta para ninguém. Esse segredo fica entre nós (não entendeu? Leia a primeira NL sobre audiência).
MANCHETE DA SEMANA 2
Mais uma que recebi: “Novela do horário nobre da emissora X bomba e marca mais audiência que 3 novelas da emissora Y”
Sim, mas essa novela que bombou vai ao ar às 21h e a notícia está comparando com novelas que vão ao ar de tarde. Mais uma vez, seguindo nossa outra NL, estão comparando maçã com laranja.
Tá feia a coisa!
IMPRESSÃO MINHA, OU…
Fiquei surpreso ao descobrir que tem gente que calcula CPM do Facebook baseado em impressões.
CPM é o “custo por mil”, um jeito antiiiiiigo de precificar a eficiência de um comercial. Exemplo: se eu investi $1.000.000 naqueles 30 segundos da TV e atingi 1.000.000 de telespectadores, meu custo por mil é $1000. Certo? Eu gastei $1000 para cada 1000 pessoas.
Se eu coloco $5.000.000 no facebook e consigo 60.000.000 de impressões, caraca meu custo por mil foi apenas $83! Uau que negocião eu fiz. Até que você lembra que uma impressão é quando seu post aparece na timeline da pessoa, desconsiderando completamente se ela viu ou interagiu com o conteúdo ou parou para ler. Você tá pagando por nada. Eu fico muito surpreso de saber que tem um monte de powerpoint de agência e deptos de marketing usando CPM com “impressões” e comemorando. Gente...
ALEATÓRIAS
Vivemos num mundo em que um jogador dá uma carretilha e toma amarelo, e o Otamendi arrebenta a boca do Raphinha com uma cotovelada e não acontece nada.
Parabéns ao grande Gaulês, maior streamer do Brasil na Twitch, indicado ao prêmio de Criador de Conteúdo do Ano no The Game Awards. Merece demais.
Série da Semana: American Crime Story: Impeachment, conta a história da Monica Lewinsky do ponto de vista dela. Bem legal. Não consegui descobrir onde está passando no Brasil, eu baixei na Apple. Em breve estará no Netflix com legenda e vale a pena. Daiana dormiu apenas no segundo capítulo, boa métrica.
Bom fim de semana, y’all.